USDC ESTÁ EM RISCO?
USDC ESTÁ EM RISCO?
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Circle, empresa emissora do USDC, possui parte das suas reservas depositadas no SVB (Silicon Valley Bank). Mais especificamente, $3.3 bilhões dos ~$40 bilhões em reserva, cerca de 8% do valor que serve de lastro do USDC. Esse banco entrou em falência, e é a maior quebra bancária desde a Grande Recessão. O SVB é um importante banco no Vale do Silício, cresceu exponencialmente nos anos de liquidez abundante e crescimento de empresas de tecnologia, com o banco se especializando no financiamento de empresas da região. Com os juros elevados, o mercado de startups e VCs acabou regredindo muito, com muitas dessas empresas indo à falência. Para o SVB, isso representa queda de depósitos dos seus clientes e necessidade de liquidez. Como o SVB veio comprando título de renda fixa com seus depósitos, a maioria a taxas em torno de 1.8%, ele foi obrigado a vender esses títulos a uma taxa muito maior, próxima de 5%, tomando um prejuízo de aproximadamente $2 bilhões. Aqui é importante destacar que a regulação americana não obriga que os bancos marquem esse prejuízo com títulos “a mercado”, fazendo com que eles fiquem visíveis apenas quando os títulos são vendidos e o prejuízo é, de fato, realizado. É aí que mora o risco de contágio no setor financeiro, onde diversos bancos carregam no seu balanço muitos títulos que estão no prejuízo. |
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E como isso afeta o USDC? |
Caso o SVB vá realmente à insolvência e seus clientes não recebam parte dos seus depósitos, isso pode impactar as reservas do USDC. O USDC, como disse acima, possui parte dos seus depósitos (que servem como collateral para manter o valor da stablecoin) dentro do SVB. A informação que temos hoje é que cerca de 8% de todo o colateral de USDC está lá. |
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Quanto esse rombo de 8% impactará o preço do USDC? |
Difícil afirmar. A Circle ainda possui mais de 90% das reservas de USDC, enquanto elas rendem em títulos de dívida o suficiente para “cobrir” o rombo em 1 ano sem a necessidade de novos aportes de capital por parte da Circle. Isso considerando que os ~$3.3 bilhões que estão na SVB não serão recuperados pela Circle — o que não é certo ainda. O banco pode não estar insolvente e devolver o capital aos clientes, podemos entrar em um longo processo de falência ou até mesmo o banco ser comprado por outro. O problema aqui é que apenas 25% de todo o colateral do USDC é depositado em ativos líquidos, o resto fica em títulos de dívida e outros ativos poucos líquidos. |
Fonte: USDC |
A imagem acima mostra a relação entre USDCs em circulação a esquerda (43.1B) e a direita quantidade de dinheiro em reservas. Em azul-escuro, 25% (cerca de 11.4B) e o restante em títulos de renda fixa curto prazo, totalizando (43.2B) em reservas. O que vimos foi uma verdadeira “corrida aos bancos” com todos os usuários querendo trocar os seus USDCs por dólar, com medo do depeg (perda da paridade de 1:1 para o dólar) da stablecoin. A Circle queimou, em um primeiro momento, mais de $2 bilhões em USDC, honrando com todos os pedidos de saque dos seus clientes. |
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Fonte: Twitter Nansen |
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Com isso acontecendo, a Circle pode ter que vender toda a sua porção líquida de ativos e começar a liquidar a porção ilíquida em prejuízo (algo parecido com o que o SVB realizou, vendendo títulos de renda fixa no prejuízo e ficando com um rombo no balanço. Por isso, todas as corretoras no momento pararam temporariamente a negociação de USDC, para evitar essa corrida aos bancos. Esse movimento afetou ainda mais a perda da paridade do USDC, pois a stable está extremamente ilíquida no mercado. Portanto, ainda é muito difícil afirmar como a Circle irá suprir esse “rombo” de 8% no colateral do USDC e/ou se esse dinheiro voltará para a empresa. O risco aqui é continuarmos com uma corrida aos bancos agressiva, fazendo com que a Circle liquide a parte ilíquida das suas reservas e fique, ainda mais, no prejuízo. Dentre as melhores soluções para o momento, acredito que a melhor opção para a Circle seja buscar uma linha de crédito de $3.3 bi, tampar o rombo e esperar o dinheiro do SVB ser liberado ou pagar o empréstimo com a receita da empresa. Acaba com a incerteza do mercado e cobre o colateral. Precisamos, então, continuar monitorando os níveis de resgate do USDC para entender o risco de liquidez da Circle, além da possibilidade de reaverem os ~3.3 bilhões travados no SVB mesmo que a Circle tenha informado que ela ira cobrir o prejuízo caso não receba os recursos do SBV. |
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O que Pode Acontecer com o USDC Agora? |
Bora fazer um exercício de árvore de possibilidades e entender o que pode acontecer com o USDC, o que pode fazer a stable retomar a paridade e quais as opções para os seus detentores. Primeiro, devemos trabalhar com duas possibilidades e o que a Circle deveria fazer em cada uma delas: 1. Circle recupera os $3.3 bilhões travados no SVB. 2. Circle NÃO recupera os $3.3 bilhões travados no SVB. No caso da primeira possibilidade, todos ficam felizes. Circle recupera a grana do colateral do USDC e a stable volta a paridade 1:1. Porém, não sabemos ainda se o banco está insolvente (se tem dinheiro para pagar os seus credores) e processos de falências e recuperações bancárias costumam ser muito longos e morosos. Por isso, acredito que a Circle demorará para reaver esse dinheiro e a stable não pode ficar sub colateralizada até lá. Portanto, acredito que esse é o cenário MENOS PROVÁVEL de acontecer. Vamos, então, para a segunda possibilidade: Aqui, acredito que existem três soluções mais óbvias para a Circle conseguir tampar esse rombo: 1. Linha de Crédito de $3.3 bilhões — pegar um empréstimo de $3.3 bilhões, tampar o rombo logo e pagar com a receita da operação ao longo dos próximos meses. Processo demorado em um ambiente de falta de liquidez e de crédito no mercado americano. É a melhor decisão, mas é muito desafiadora. 2. Levantamento de Capital (Capital Próprio) — a Circle e a Coinbase (co-dona do USDC) pegarem capital próprio das duas empresas/sócios para cobrir o rombo. Em um cenário desafiador de mercado, acredito que essa solução impactaria relevantemente a saúde financeira das duas empresas. 3. Levantamento de Capital (Capital de Terceiros) — as duas empresas vendem parte do seu capital em tesouraria com desconto para empresas dispostas a aportarem e utilizam esse dinheiro para cobrir o rombo. Esse é o cenário mais “custoso” para as duas empresas, mas é o mais provável. Agora, existe o cenário mais catastrófico de todos: A Circle NÃO recuperar o capital do SVB e NÃO conseguir levantar capital para cobrir o rombo do colateral no USDC. Embora eu acredite que esse seja o cenário menos provável, ele seria catastrófico para a Circle e o USDC. Usuários começariam a resgatar o seu colateral travado na USDC (corrida aos bancos) e a Circle teria que liquidar parte do colateral ilíquido (títulos de dívida), o que causaria um prejuízo grande e um rombo ainda maior no dinheiro que assegura a paridade do USDC. Esse, sem dúvidas, é o cenário para evitar no momento. |
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QUEM TEM USDC, O QUE FAZER? |
Aqui também temos algumas possibilidades, onde não existe certo nem errado, mas sim o que faz sentido para cada um. Vamos explorar cada opção: 1. Trocar USDC por USDT/BUSD/DAI – nesse caso, o usuário troca uma stablecoin por outra. Não é a minha opção favorita. Em um cenário caótico de corrida aos bancos no USDC, isso deve contaminar outras stables, que podem ter problemas de liquidez ainda desconhecidos. A própria DAI tem uma exposição significativa ao USDC… 2. Trocar USDC por BTC/ETH/USD/BRL, etc – nesse caso, o usuário troca USDC por outro ativo que não seja uma stablecoin. 3. Segurar USDC e torcer para voltar a paridade. Aqui, você está assumindo o risco de um cenário catastrófico que comentei antes, com a Circle tendo mais problemas com o colateral. |